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FACHADA DE VIDRO EM CLIMA QUENTE: CRIME AMBIENTAL?

Atualizado: 8 de mai. de 2023

*Por Fernando Simon Westphal, consultor técnico da Abividro, engenheiro civil, professor e pesquisador da UFSC


Edifício Torre Matarazzo em São Paulo. Projeto: Aflalo e Gasperini arquitetos/Divulgação

Há alguns anos eu estava participando de um congresso científico sobre conforto ambiental e eficiência energética e um dos palestrantes contou uma história interessante, que eu gostaria de relembrar e fazer uma análise crítica.


Ao tratar de padrões de uso de energia pelas pessoas em suas residências, ele contou que havia uma mulher, em Manaus (AM), que gostava de chegar em casa depois do trabalho, colocar o ar-condicionado a 17°C, acender a lareira e tomar um vinho. Ora, a plateia inteira caiu na gargalhada enquanto cabeças balançavam julgando negativamente a atitude daquela cidadã manauara. Naquela época, eu mesmo me peguei pensando: Que absurdo! A pessoa em Manaus, provavelmente o clima mais quente do país, se dá ao luxo de tomar um vinho com a lareira acesa e o split ligado, simultaneamente. À primeira vista, parecia um crime ambiental. Será mesmo? Vamos aos cálculos.


Um ar-condicionado split de 24.000 Btu/h (British Thermal Unit, ou Unidade Térmica Britânica) de capacidade, ligado por quatro horas irá resultar em um consumo de energia elétrica, que pela média de emissões do sistema elétrico brasileiro, equivale a um total de 1,2kg de CO2 jogados na atmosfera. Isso não muda muito se você está em Manaus ou São Paulo. Com o aparelho configurado a 17°C vai operar na potência máxima, independente das condições externas e internas. O custo de operação também não vem ao caso, considerando que a pessoa está disposta a pagar por esse momento de lazer. E sendo um momento de lazer, comecei a pensar em alguns comparativos. Ora, quais as emissões de nossas atividades de lazer, que podem parecer desnecessárias ou absurdas a outras pessoas?


Então lembrei de um colega que tem uma pequena lancha, para “brincar” na Lagoa da Conceição, em Florianópolis (SC). Uma vez perguntei a ele sobre o consumo de combustível. São cerca de 80 litros de gasolina queimados em em horas de passeio. Nessa brincadeira, são emitidos 224 kg de CO2. Quase 200 vezes mais do que aquele split ligado por quatro horas em Manaus.


Voltando ao professor da palestra, lembro que ele mora a 10km da universidade. Ao se deslocar todo dia de carro para o trabalho, ida e volta, ele emite 2kg de CO2. Se ele morasse próximo ao serviço – e existe essa possibilidade – ele poderia ir a pé para o trabalho. Então, por que ele se dá ao luxo de morar longe? Considerando que ele faça esse trajeto de carro cerca de 200 vezes por ano, são emitidos 400kg de CO2 na atmosfera, o que equivale a 333 vezes as emissões geradas pelo split em Manaus.


Indo um pouco mais longe, uma viagem de avião do Brasil para a Europa, ida e volta, gera cerca de 600kg de CO2 por passageiro. São 500 vezes a emissão da noite de vinho em Manaus.


Então eu pergunto: se é um crime ambiental tomar um vinho com lareira e ar-condicionado em Manaus, por que o mesmo julgamento não é aplicado a uma viagem de lazer à Europa? Ou morar longe do serviço para aproveitar um ambiente melhor? Ou passear de lancha? Ou mesmo pegar o carro para ir jantar em um lugar distante, fazer um passeio? Acho muito arriscado esse tipo de julgamento entrar na agenda da sociedade.


Falando agora para a indústria, acredito que devemos investir em pesquisa e desenvolvimento de produtos cada vez mais eficientes, que resultem no menor uso possível de recursos naturais. Cabe a cada cidadão o uso consciente, sem desperdício. Boa parte do mercado gira em torno da diversão, turismo e lazer. Isso gera receita, negócios e empregos. Lazer para alguns, pode soar algo fútil ou desnecessário para outros. Acho complicado julgar o que é permitido e o que deve ser banido.


Já ouvi muitas críticas contra as fachadas envidraçadas no Brasil, e que esse tipo de arquitetura não deveria ser adotado aqui, em clima quente. Acontece que existem produtos de alta tecnologia – vidros de controle solar e perfis de alumínio com thermal break, por exemplo – que permitem explorar esse partido arquitetônico nessas condições. O consumo de energia de um prédio envidraçado é mais alto do que um prédio com poucas janelas. Isso é fato. Mas quanto vale a sensação de bem-estar e aumento na produtividade devido à maior integração com o exterior e o contato visual?


*Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade dos respectivos autores e podem não interpretar a opinião da revista. A publicação tem o objetivo de estimular o debate e de refletir as diversas tendências do mercado, com foco na evolução da indústria de esquadrias e vidro.

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