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Equipe Contramarco

PRESERVANDO A NOSSA HISTÓRIA

Retratos de obras restauradas e o reaproveitamento de esquadrias e outros itens



“Havia uma perspectiva pessimista sobre o restauro devido ao avançado estado de degradação do imóvel, abandonado há duas décadas. Entretanto, após início da limpeza e desobstrução dos ambientes descobrimos um cenário enriquecedor e passível de se restaurar”, conta Fabiula Domingues, arquiteta e urbanista e sócia do escritório Contemporânea Paulista, sobre a situação da estação ferroviária Campo Grande, na Vila de Paranapiacaba, região metropolitana de São Paulo.


O local foi inaugurado em 1889, o prédio atual é de 1929 e pertenceu à São Paulo Railway (SPR). Mas foram as obras de restauro da vila histórica de Paranapiacaba e da estação que mudaram o destino da construção, que estava perto de desabar.


“O reaproveitamento das telhas antigas, não só se tornou possível como foi imprescindível para fazer o telhamento de uma água da cobertura original da estação”, destaca Cristina Machado, arquiteta e urbanista e sócia do escritório Contemporânea Paulista.


Divulgação: Contemporânea Paulista


O projeto, iniciado em janeiro de 2020 e com conclusão prevista ainda para este ano, é coordenado pelo escritório de arquitetura e urbanismo Contemporânea Paulista, especializado em restauração de patrimônio histórico e cultural. A obra está orçada em R$ 1,7 milhão e está sendo patrocinada pela MRS Logística, concessionária que administra o trecho ferroviário e que depois utilizará a estação como espaço operacional.


Para saber mais detalhes sobre a importância deste trabalho de restauração e sobre a preservação e reaproveitamento das esquadrias, a equipe Contramarco entrevistou as arquitetas e urbanistas do escritório Contemporânea Paulista Cristina Machado e Fabiula Domingues.



A formação de Cristina inclui graduação em arquitetura e urbanismo na Universidade Paulista, com especializações em Landscape Urbano na Universidade ESALQ, restauro do patrimônio histórico arquitetônico e urbanístico na UniSantos e especialização em obras de arte sacra no Museu de Arte Sacra SP.


Já Fabiula possui grande experiência na área de arquitetura e urbanismo, com ênfase em patrimônio histórico. Sua formação inclui graduação em arquitetura e urbanismo na Universidade São Marcos, UNIMARCO; MBA em bens culturais na Fundação Getúlio Vargas, FGV; extensão universitária em arquitetura e urbanismo na Universidade de São Paulo, USP; e curso de Restauro de Arquitetura no Centro Técnico Templo da Arte, CTTA.


Contramarco: Qual a importância de se restaurar ou recuperar para nova utilização prédios antigos, centenários e de importância histórica?


Cristina Machado: Antes de responder sobre a importância de se restaurar, vale esclarecer que restauro é uma ação interventiva invasiva e somente deve ser adotada quando há falta de conservação do patrimônio histórico, seja ele um quadro de Leonardo da Vinci ou um edifício de Oscar Niemeyer.


A conservação de um edifício histórico só é garantida quando o patrimônio está incluso no cotidiano social, caso contrário estará fadada a falência. Daí vem a importância por se ter políticas públicas coesas capazes de unir o diálogo social participativo com outros segmentos econômicos, culturais e educativos. A união e interlocução desses grupos são capazes de diagnosticar e prognosticar necessidades e proposituras sociais alinhadas a estruturas pré-existentes centenárias aptas a receber novas funções sociais e, assim, garantir longevidade à história do bem e a criação de novas experiências.


Preservar as nossas histórias, memórias e culturas, significa deixar um legado às futuras gerações. O patrimônio histórico ilustra o passado, nos possibilitando ter uma análise crítica dos nossos acertos e equívocos, produz novas experiências, garantindo toda uma narrativa materializada no presente, e se perpetua para um próximo futuro, não permitindo que caia em degradação e abandono.


Contramarco: Nas obras de restauração ou preservação de edifícios históricos, qual ou quais os principais problemas enfrentados na parte das esquadrias (portas, janelas, gradis, etc.)?


Fabiula Domingues: As obras de conservação ou restauro enfrentam diversos problemas em todos os elementos arquitetônicos integrados ao imóvel: nasce na cobertura, perpassa as alvenarias, revestimentos, ornatos, instalações prediais e atinge até a manutenção vegetativa, por exemplo. A falta de mão de obra especializada, escassez de recursos e desvalorização da tradicionalidade do “saber fazer”, esvazia o mercado do ofício, não capacita profissionais e gestores e desanima o mercado econômico.


Umidade é uma das patologias mais graves que se pode ter em um patrimônio histórico. Dela decorre, por exemplo, a criação de fungos e bolores que deixam a superfície da madeira mais molinha oferecendo um “banquete” aos cupins, brocas e outros parasitas.


As peças metálicas (zinco, cobre, ferro, etc) também sofrem danos irreversíveis pela exposição às intempéries. Como exemplos de patologias temos variações bruscas de temperatura, chuvas ácidas, raios ultravioleta, entre outras. Todas aceleradoras do envelhecimento de diversos materiais metálicos, que sem a prevenção efetiva geram a corrosão e a deterioração de suas propriedades.


Contramarco: As atuais técnicas construtivas podem ser combinadas com estruturas mais antigas e históricas? É possível preservá-las adequadamente, sem alterar em demasia o projeto da obra original?


Cristina: Sim, as estruturas mais antigas e históricas podem ser combinadas, de forma coerente, às atuais técnicas construtivas.


Reprodução: TripAdvisor

Como exemplo citamos a Igreja São Luiz de Tolosa, na cidade de São Luiz do Paraitinga - SP. A igreja ruiu por conta de uma enchente em 2010 e, após a catástrofe, houve um apelo popular para que o patrimônio fosse reconstruído tal qual o original. Entretanto, reconstruí-lo em sua composição original significava refazer a estrutura em taipa de pilão o que incorreria em uma nova possibilidade de arruinamento diante de nova enchente. Foi assim que o partido arquitetônico e de restauro optou pela inclusão de peças metálicas na estrutura do edifício em substituição à taipa de pilão. Todas as peças metálicas ficaram expostas, exceto nas áreas litúrgicas, por se tratar de espaços sagrados à fé. O resultado gerou uma plasticidade harmônica, além de funcional para a nova realidade espacial do patrimônio.


Outro exemplo interessante está em Ephesus, na Turquia. As ruínas históricas da Grécia Antiga, após escavações arqueológicas passam por processo de restauração, onde se aliam a conservação de técnicas rudimentares a materiais modernos, garantindo a leitura do conjunto arquitetônico e diferenciando visualmente o que é histórico do que é atual, sem que essa leitura interfira no conjunto da obra.


Neste exemplo usa-se estrutura metálica para sustentação das peças originais e novas e o concreto para preenchimento das lacunas faltantes.


Ephesus, Turquia, 2014. Fotografia: Fabiula Domingues

Contramarco: Como está sendo a experiência com a estação ferroviária Campo Grande? Quais foram as maiores dificuldades?


Fabiula: Com o início da obra em janeiro de 2020 havia uma perspectiva pessimista sobre o restauro devido ao avançado estado de degradação do imóvel, abandonado há duas décadas. Entretanto, após início da limpeza e desobstrução dos ambientes descobrimos um cenário enriquecedor e passível de se restaurar. Como ocorreu com as cimalhas, moldura que fica na parte superior da fachada de um edifício, ocultando o telhado e impedindo que as águas escorram pela parede, em tijolos presente nas fachadas. Boa parte destes elementos havia se perdido, entretanto, com a demolição parcial de algumas alvenarias internas pudemos reaproveitar os tijolos para reproduzir novas cimalhas.


O reaproveitamento das telhas antigas, não só se tornou possível como foi imprescindível para fazer o telhamento de uma água da cobertura original da estação. As telhas foram retiradas cuidadosamente, passaram por higienização, teste de absorção, classificação e reinstalação. Também houve testagem de toda estrutura de madeira do telhado, as tesouras originais permaneceram no seu local de origem, enquanto houve necessidade de reprodução de duas novas peças.


Um dos principais agentes causadores de patologias nas argamassas são os sais minerais e a água. As infiltrações e a salinização penetram pela argamassa abrindo lacunas atingindo as estruturas. Assim, foram realizados testes de argamassa in loco para compreender o traço original e reproduzi-lo na reconstituição de partes faltantes ou deterioradas.


Já a prospecção estratigráfica pictórica é um processo de decapagem feito por camadas sobre a tinta das superfícies para identificar as cores e a cronologia pictórica da edificação. Estas “janelas” de prospecção são posicionadas de forma estratégica, conforme orientação do projeto de restauro para confirmar possíveis questões levantadas em pesquisa histórica e iconográfica. Realizamos este trabalho na estação e foi possível identificar tonalidades claras nas paredes originais, puxadas para o tom areia.

Contramarco: Na sua opinião, até que ponto as esquadrias podem ser reaproveitadas? Quais são os principais tratamentos dados aos itens?


Cristina: Cada projeto possui sua especificidade para determinar o grau interventivo ou não de restauro das esquadrias. O que determinará seu reaproveitamento, ou não, é o diagnóstico e o mapeamento de danos desses elementos.


O reaproveitamento depende do novo uso da edificação. Em determinados usos, as aberturas das esquadrias são parcialmente obstruídas como, por exemplo, em espaços museológicos. Em outras obras, as esquadrias são preservadas de acordo com o seu estado de conservação.


No caso da estação de Campo Grande, o projeto de arquitetura do arquiteto Laerte Gonzalez, optou pela reprodução de réplicas devido ao alto grau de degradação dos elementos em madeira. Já as contravergas em ferro serão restauradas.


Réplicas das esquadrias. Divulgação: Contemporânea Paulista


Os respiros originais do séc XIX, com a inscrição de SPR - São Paulo Railway, foram restaurados, devido seu valor histórico e as aberturas dos óculos, com a função da ventilação cruzada da edificação, será mantida com nova moldura.


Antes e depois da restauração dos respiros. Divulgação: Contemporânea Paulista


Contramarco: Acrescente outros comentários sobre assuntos não abordados nas questões acima, mas que são importantes destacar.


Fabiula: A matéria restauro não é subjetiva, tampouco aleatória. Os projetos de restauro são referenciados por declarações e cartas patrimoniais, extraídas de pensamentos críticos acadêmicos, conferências mundiais, tombamentos e órgãos de preservação do patrimônio histórico. Portanto, metodologias de ensino e ferramentas que auxiliam a preservação e restauro do patrimônio histórico são de suma importância para o profissional, proprietário ou interessados em acessar esses documentos.


Saiba mais sobre a Contemporânea Paulista em: www.contemporaneapaulista.com.br/


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